sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Se Deus tivesse falado


Baruch (Benedictus, em latim) Spinoza, Bento de Espinoza (também Benedito Espinoza; em hebraico: ברוך שפינוזה – Baruch Spinoza), filho de uma família judaico-portuguesa nasceu a 24 de Novembro de 1632, em Amsterdão e morreu em Haia a 21 de Fevereiro de 1677. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. É considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.
A sua família fugiu da Inquisição de Portugal.
Foi um profundo estudioso da Bíblia, do Talmude e de obras de judeus como Maimónides, Ben Gherson, Ibn Ezra, Hasdai Crescas, Ibn Gabirol, Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também de Giordano Bruno.
Apesar de não concordar com tudo o que ele escreve aqui, tenho de reconhecer que este texto – Se Deus tivesse falado – é de uma profundidade e de uma autenticidade cristã que nos devem levar a pensar no grande mandamento do Amor:

Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes da tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
A minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso o meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que a tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar o teu amor, o teu êxtase, a tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos, nos olhos do teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais dizer-me como fazer o meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu enchi-te de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso culpar-te se respondes a algo que Eu pus em ti? Como posso castigar-te por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que Eu poderia criar um lugar para queimar todos meus filhos que não se comportem bem, para o resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita o teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que o teu estado de alerta seja o teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu fiz-te absolutamente livre. Não há prémios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registo.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso dar-te um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não houver nada, terás aproveitado a oportunidade que te dei.
E se houver, tem a certeza que Eu não vou perguntar-te se foste bem comportado ou não. Eu vou perguntar-te se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas a tua amada, quando agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-Me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Aborrece-Me que me louvem. Cansa-Me que agradeçam. Tu sentes-te grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido?... Expressa a tua alegria! Esse é a forma de Me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para quê tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás.
Procura-me dentro... aí é que estou, tocando em ti.”

Baruch Spinoza.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

RELIGIÃO


Podemos considerar, do ponto de vista antropológico e histórico, que a religião (em abstracto) é a atitude assumida pelo homem perante o poder sobrenatural, do qual se sente dependente, como sendo criatura sua. A Religião é, também, um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e os valores morais. As religiões têm, normalmente, narrativas, símbolos, tradições e histórias sagradas que se destinam a dar sentido à vida ou explicar as suas origens e do universo; tendem a provir a moralidade, a ética, as leis religiosas ou um estilo de vida tendencialmente bom.
Cada religião exprime-se por comportamentos colectivos e concebe-se como uma virtude que leva ao desempenho de determinadas obrigações.
Os estudiosos classificam as religiões como religiões naturais e religiões reveladas. As primeiras têm origem meramente humana; são exemplo destas o confucionismo, o hinduísmo e o budismo. As segundas fundamentam-se na Revelação Divina conservada em livros ou documentos próprios (as Sagradas Escrituras); neste último caso consideram-se o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.
A palavra religião é muitas vezes usada como sinónimo de ou sistema de crença; todavia, o termo religião difere da crença privada na medida em que tem um aspecto público. A maioria das religiões têm comportamentos organizados, incluindo hierarquias clericais, uma definição do que constitui a adesão ou filiação dos seus membros, congregações de leigos, serviços destinados à veneração de uma entidade ou para a oração, lugares (naturais ou arquitetónicos) e/ou escrituras sagradas. A prática de uma religião pode também incluir comemoração das atividades de um deus ou deuses, sacrifícios, festivais, festas, transe, iniciações, serviços funerários, serviços matrimoniais, meditação, música, arte, dança, serviço público ou outros aspectos da cultura humana.
No âmbito daquilo que se define como religião podem-se encontrar muitas crenças e filosofias diferentes. Apesar de um sentimento idêntico que exerce sobre as pessoas, as diversas religiões do mundo são de facto muito diferentes entre si. Assim, todas as religiões possuem um sistema de crenças no sobrenatural e que envolvem, geralmente, deidades, deuses e demónios. As religiões costumam, embora com narrativas diferentes, possuir relatos sobre a origem do Universo, da Terra, do Homem e sobre o que acontece para além da a morte. A grande maioria das religiões crê na vida após a morte.
Muito mais se poderia dizer sobre religiões. É extremamente importante compreendê-las, aperceber-se das potencialidades e dos ensinamentos que poderão contribuir para a valorização sociológica, ética e moral (independentemente do senso comum que traduz).
Todavia, quero, neste momento, tentar fazer passar uma mensagem sobre um sentimento que tenho vindo a experimentar e que, oportunamente, tentarei explicar mais detalhadamente. Julgo não estar longe da realidade se pensar que os primeiros seguidores de Jesus (os primeiros cristãos) não consideravam terem-se convertido a uma nova religião – eles constituíram-se em Igreja –, isto é, criaram uma assembleia que os estimulava a progredir no bom caminho e onde partilhavam as suas vivências; não tinham hierarquia e o mais destacado dos seus membros era o que mais intensamente servia os outros. Essencialmente, as suas vidas consistiam em fazer aos outros aquilo que gostariam que lhes fizessem a si próprios – amavam-se, como expressão visível do amor a Deus –, não esquecendo os ensinamentos da "Lei antiga" (Antigo Testamento) redefina pelos ensinamentos de Jesus na "Nova Lei" (os Evangelhos).
Ora, se considerar que Religião é o culto prestado a uma divindade, sou levado a pensar que o Cristianismo não deverá ser considerado, simplesmente, como uma religião, mas sim como uma forma de viver. Confundir Religião com Forma de Viver permite dar razão a Marx quando dizia que a religião era o ópio do povo (o que até certo ponto posso concordar) e a Freud quando considerava que a religião era uma neurose colectiva (o que me permito discordar, neste caso).
Abordarei melhor este meu sentir, oportunamente.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A nova "linguagem" do Amor



Foram textos como o que a seguir apresento, que me fizeram repensar seriamente o cristianismo.

Andei muitos anos arredado das "lides" religiosas; afastei-me da Igreja (principalmente da institucional) porque discordava, na generalidade, da sua prática; embora acreditasse em Jesus, não me via a fazer parte integrante dos seus seguidores – cheiravam-me a bafio e sentia a falsidade e artificialidade das suas vidas; os ritos e rituais apresentados colidiam com a vida actual das pessoas; senti, sempre, que as instituições religiosas, o clero e o Vaticano tentavam mostrar uma história de dois mil anos e não a realidade de uma vida que se vive, que rejuvenesce e nos dá ânimo – era, tão somente, um filme. Senti sempre que para se ser Cristão ter-se-ia de ser revolucionário.

Eis a parte final do texto a que referi no princípio:

Veja-se o que se diz no Credo: “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Por ele todas as coisas foram feitas. E, por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus”. Pergunta-se: e entre o nascimento e a morte na cruz, o que se passou? Não aconteceu nada? Ele não fez nada?

Este é que pode ser e tem sido o grande esquecimento. Tudo começou em São Paulo, que não tinha conhecido o Jesus histórico e, assim, só contactou com o Jesus glorificado, o Senhor, o Kyrios. Foi este Jesus Kyrios (Senhor) que ocupou o centro no quadro de interesses imperiais, como é sabido desde Constantino, e que acabou por legitimar poderes, domínios, guerras, uma Igreja senhorial.

Pensou-se então que bastava prestar-lhe culto – missas, procissões, adorações ao Santíssimo... –, sem a exigência de segui-lo no seu Evangelho do Reino de Deus, no que ele quis e fez com os pecadores, as mulheres, os estrangeiros, na relação com o dinheiro, com a política, os pobres, Deus e a religião. O cristão não precisaria de converter-se.

Há um texto terrível do filósofo agnóstico Max Horkheimer, um dos fundadores da Escola Crítica de Frankfurt: “Jesus morreu pelos homens, não podia guardar-se para si próprio avaramente e pertencia a tudo o que sofre. Os Padres da Igreja fizeram disso uma religião, isto é, fizeram uma religião, que também para o mal (moral) era uma consolação. Desde então isso teve um êxito tal no mundo que pensar em Jesus nada tem a ver com a acção e ainda menos com os que sofrem. Quem lê o Evangelho e não vê que Jesus morreu contra os seus actuais representantes, não sabe ler.” (P. Anselmo Borges)

Não pretendo iniciar a revolução já iniciada por Cristo. Não! Quero simplesmente ser veículo (embora cheio de defeitos) da mensagem de Jesus: Amai-vos uns aos outros. O amor, esse sim, é revolucionário.