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mais uma crónica de Anselmo Borges publicada no DN,
de 21 de Abril. Convém não tirar conclusões apressadas e interiorizar bem a
mensagem que, embora pareça, não faz a apologia dos poderosos; antes pelo
contrário…
É imperioso que não
viciemos as regras do "jogo" e desenvolvamos as nossas capacidades
para dar cumprimento aos desígnios de Deus.
"Significativamente,
os mestres religiosos foram advertindo particularmente contra a ganância, que
leva à corrupção, à opressão, à injustiça, à violência e à morte.
Ficam aí, a título
de exemplo, três textos famosos do Evangelho segundo Lucas e São Mateus. Não se
esqueça que Mateus sabia bem do que falava, pois tinha sido chefe de cobradores
de impostos.
1. A primeira parábola é a do
administrador infiel. Um homem rico tinha um administrador, que foi denunciado
por ter dissipado os seus bens. Chamado a prestar contas e percebendo que ia
ser demitido, reflectiu: "Que farei, visto que o meu patrão me tira o
emprego? Lavrar a terra? Não posso. Mendigar? Tenho vergonha. Já sei o que vou
fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido. Chamou,
pois, separadamente, a cada um dos devedores do seu patrão e perguntou ao
primeiro: Quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Disse-lhe: Toma a
tua conta, senta-te depressa e escreve: cinquenta. Depois, perguntou ao outro:
Tu, quanto deves? Respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o administrador:
Toma os teus papéis e escreve oitenta."
Quando se olha
para o descalabro de bancos, défices brutais em obras públicas, corrupções em
cadeia, conhecidas e desconhecidas, somos levados a perguntar quantas vezes
esta parábola se tornou realidade entre nós. Até sem papéis.
2. A segunda parábola é a dos
talentos. A um foram dados cinco talentos – talento era uma unidade monetária.
E ele, negociando, ganhou outros cinco. O que recebeu dois ganhou outros dois.
O que recebeu apenas um foi cavar a terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.
Quando o senhor
voltou, prestaram contas. E os que tinham recebido cinco e dois talentos
ouviram a sentença: "Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no
pouco, confiar-te-ei muito. Vem regozijar-te com o teu senhor." Mas o que
recebeu um só talento disse: "Senhor, sabia que és um homem duro, que
colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por isso, tive medo e
fui esconder o teu talento na terra. Aqui está, toma o que te pertence."
Sentença do senhor: "Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não
semeio e que recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar o meu dinheiro ao
banco e, à minha volta, eu receberia com os juros o que é meu. Tirai-lhe este
talento e dai-o ao que tem dez."
E seguem-se estas
palavras terríveis: "Ao que tem dar-se-á e terá em abundância. Mas ao que não
tem até o que tem lhe será tirado."
Ora, não é esta a
lógica da Banca? Não se trata, evidentemente, de modo nenhum, de legitimar a
preguiça e a inépcia. Mas não é uma constatação: os ricos cada vez mais ricos e
os pobres cada vez mais pobres? Aí está o que os sociólogos denominam,
precisamente a partir da parábola, o "efeito de Mateus": quem leu
mais em criança tem mais possibilidades em adulto; com trabalhos e resultados
iguais, os cientistas mais famosos serão mais citados do que os menos famosos;
quem mais tem, em princípio, aumentará constantemente a sua riqueza.
3. Mas, no Evangelho, depois
destas parábolas, vem o Juízo Final. Do que se trata é de revelar o essencial
da história do mundo, na perspectiva de Deus. E o decisivo não são actos de
culto, mas a justiça e a solidariedade: "Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está
preparado, porque tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de
beber; era peregrino e acolhestes-me; nu e vestistes-me; enfermo e
visitastes-me; estava na prisão e viestes ver-me."
Os justos não
sabiam: "Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com
sede e te demos de beber, peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos, enfermo
ou na prisão e te fomos visitar?" E Cristo: "Todas as vezes que
fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim mesmo que o
fizestes." O que se faz ao outro é feito a Cristo.
Entretanto, parece
confirmar-se cada vez mais o "efeito de Mateus": não está o fosso entre os ricos e os pobres
cada vez mais fundo? Cuidado! A situação pode tornar-se explosiva."