Jesus nunca foi misógino. Não só não discriminou as
mulheres, como as valorizou.
"Afastadas dos problemas sociais, excluídas
da vida pública, as mulheres eram grandes perdedoras na sociedade judaica do
tempo de Jesus. Por isso não deixa de surpreender a 'ousadia' do Mestre, que contava com algumas no grupo
itinerante dos seus discípulos". Esta afirmação foi feita por Ariel
Álvarez Valdés, doutor em Teologia Bíblica, Santiago del Estero, Argentina e
contida num artigo publicado na revista Mensaje.
Se Jesus veio anunciar o grande mandamento do amor, essência
da salvação, não poderia, em caso algum, discriminar alguém. Amar o próximo
como a nós mesmos não é uma mensagem dirigida somente aos homens, aos crentes,
aos discípulos, aos piedosos… Não! É uma mensagem dirigida a toda a humanidade:
Homens, mulheres, fiéis, crentes e não crentes, pagãos, judeus, gentios,
estrangeiros, amigos e inimigos… Dirigida a todos. E, ao longo da sua vida,
demonstrou isso mesmo.
Durante sua vida, Jesus configurou um novo tipo de
discipulado itinerante. Mas sua atitude mais inovadora e audaz foi a de ter
admitido mulheres nesse grupo, que viajavam com ele, compartilhando essas
instruções.
Na sua época, as mulheres não gozavam de tais liberdades.
Não era bem visto que tivessem tratamento directo com outros homens que não
fossem seus familiares. E, quando iam ao templo, com motivo de uma festa
religiosa, não podiam ingressar no pátio onde estavam os homens, devendo
permanecer num claustro exclusivo. Também quando iam rezar nas sinagogas,
permaneciam separadas dos homens.
Afastadas dos problemas sociais, excluídas da vida pública,
separadas dos debates religiosos, sem concorrência em questões políticas, eram
as grandes perdedoras na sociedade judia dos tempos de Jesus. Sua função se
reduzia ao cuidado da casa e dos filhos. Por isso não deixa de surpreender a
ousadia do Mestre de Nazaré.
Eis algumas das mulheres mais importantes na vida de Jesus:
- Maria de Nazaré, de mãe a discípula. Aquele hino – o Magnificat –, que Maria de
Nazaré recita quando visita a prima Isabel, depois de ambas ficarem grávidas,
diz: “A minha alma glorifica o Senhor e o
meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade
da sua serva. (…) Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias (…)”, é,
sem dúvida (como o refere Isabel Gómez Acebo), o “texto mais revolucionário”
que se poderia cantar. Há uma linha de pensamento no catolicismo que fala do
silêncio de Maria (não convinha…), mas ela questiona muito: quando faz
perguntas ao anjo na anunciação, no Magnificat ou quando diz ao filho, nas
bodas de Caná – a auto-revelação de Jesus –, que "não há vinho…!"É,
de facto, uma personalidade muito marcante.
- Maria Madalena, a apóstola dos apóstolos. “Quem foi, de facto,
Maria Madalena: uma pecadora arrependida, uma discípula predilecta, a enviada
(apóstola) a anunciar a ressurreição, a esposa de Jesus?”
Foi o Papa Gregório Magno (590-604) que, num sermão de
Páscoa, identificou Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora que unge
Jesus com o perfume como a mesma mulher. Nada mais errado, pois os evangelhos
são claros em distinguir três pessoas diferentes.
Natural de Magdala, pequena cidade da Galileia, Maria é
referida nos evangelhos como alguém que, a
par de outras mulheres, cuidava de Jesus e colocara os seus bens ao serviço
do grupo. O facto “sugere que Maria
Madalena era uma pessoa com recursos, que ofereceu a sua devoção a Jesus, que a
curara” de “sete demónios”, nota
Geza Vermes, que dirige o Centro de Estudos Hebraicos de Oxford. “Não me importa de que cor era o amor que ela
tinha, o que interessa é que era tão grande que mudou a sua vida.”
- Maria de Betânia, a discípula que escuta o hóspede. Marta atarefava-se
“com muitos serviços”, como conta Lucas. Marta queixa-se da irmã a Jesus, mas
este repreende-a: “Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só
é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” “Estar aos pés do mestre é, na literatura
rabínica, ser discípulo de alguém”, diz a religiosa espanhola Isabel
Maria Fornari, autora de uma tese com o título "La Escucha del Huésped"
(ed. Verbo Divino, Espanha), onde estuda este episódio. Mas a cena remete
também para a hospitalidade bíblica, que inclui um elemento importante – o da
comunicação. “É importante servir, comer, mas, quando alguém vem a nossa casa,
mais importante é a comunicação que se estabelece.”
O facto de Maria de Betânia se colocar à escuta, diz ainda
Maria Vaz Pinto, é “também uma manifestação de amor: estar quieta, aprender, ouvir,
deixar-se tocar”.
- A Samaritana,
saltar todas as normas da "moral". É, provavelmente, um dos
textos mais notáveis dos evangelhos, este em que Jesus pede água a uma
samaritana. Duplo pecado: dirigir a palavra a uma mulher, ainda por cima da
Samaria – “os judeus não se dão bem com os samaritanos”, explica a narrativa de
São João. A cena decorre por volta do meio-dia, junto ao poço de Jacob, em
Sicar. Jesus está cansado e quer descansar e refrescar-se.
“Jesus adopta logo, implicitamente, o lugar inferior. As
suas palavras não são uma ordem, mas um pedido. Dirige-se [à samaritana] de
mãos vazias, à procura de qualquer coisa que só ela é capaz de lhe dar”,
escreve o Irmão John, de Taizé (À Beira da Fonte, ed. AO).
O diálogo prossegue com Jesus a dizer que chegará a hora em
que Deus será adorado “em espírito e verdade” e não num
qualquer templo. E quando a mulher diz que todos esperam o messias, Jesus
diz-lhe: “Sou eu, que estou a falar contigo” – é a única vez em que se assume
como tal perante alguém.
- A pecadora de Betânia, Jesus deixa-se acariciar. É uma mulher
que “entra e sai em silêncio, mas o leitor sente que a sua passagem se revestiu
de uma eloquência ímpar”, escreve o biblista José Tolentino Mendonça em "A
Construção de Jesus" (ed. Assírio & Alvim). Nesta obra, o autor
analisa o episódio em que uma pecadora irrompe pela casa de Simão, um fariseu
que convidara Jesus.
“Estando por detrás, aos seus pés, chorando começou a
banhar-lhe os pés com lágrimas e com os cabelos da sua cabeça os enxugava e
beijava-lhe os pés e ungia-os com perfume”, conta o texto de São Lucas. Simão
diz para consigo: “Se este fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a
mulher que o toca, pois é uma pecadora!” Jesus pressente o que ele pensa e, depois
de lhe contar uma parábola, diz que a mulher lhe banhou os pés com as suas
lágrimas e o perfumou. E conclui: “São perdoados os pecados dela, os muitos, porque amou muito.”
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