Em 7 de Novembro de 2008, tendo recebido a ameaça de
excomunhão, que deveria produzir-se automaticamente num mês, se entretanto não
se retratasse, o Pe. Bougeois escreveu uma carta aberta à Congregação para a
Doutrina da Fé, reafirmando a sua posição:
"Com todo o
respeito, creio que o que a nossa Igreja Católica ensina sobre esta questão é
errado e não se sustenta numa análise séria. Um relatório da Comissão Bíblica
Pontifícia, em 1976, apoiava a investigação de especialistas em Escrituras, em
Direito Católico e de muitos fiéis católicos que estudaram e reflectiram as
Escrituras, concluindo que não há justificação na Bíblia para a exclusão das
mulheres do sacerdócio. Como pessoas de fé, professamos que o convite para o
ministério do sacerdócio vem de Deus.
Professamos que Deus,
Fonte da Vida, criou homens e mulheres com o mesmo grau de dignidade... Há oito
anos, enquanto participava de uma conferência em Roma para a paz e a justiça, fui
convidado para falar sobre o SOA na Rádio Vaticano. Durante a entrevista,
indiquei que eu não podia denunciar a injustiça de SOA e permanecer em silêncio
sobre as injustiças na minha Igreja. Terminei a entrevista dizendo:
'Nunca haverá justiça
na Igreja Católica até que as mulheres possam ser ordenadas.' Continuo firme
hoje nesta visão. Ter um clero totalmente masculino implica que os homens são
dignos de ser sacerdotes católicos, mas as mulheres não o são."
A "derrota" papal
A imposição do Vaticano faz com que o P. Bourgeois tenha que
deixar os ministérios oficiais da Igreja Católica. Isso significa, em certo
sentido, uma "victória" da Igreja oficial, mas o que num sentido é
victória, noutro é uma "derrota".
Derrota (em sentido náutico) significa "mudança de rumo".
Prepara-se o navio, traça-se a rota, medem-se as variáveis, ajusta-se o leme...
e ao fim de um tempo o navio não está onde deveria (onde se pensava que deveria
estar), mas sim noutro lugar... por influência dos ventos, das marés e de outros
movimentos da terra e da água.
A Barca de Pedro traçou há bastante tempo uma rota... mas já
não está onde se esperava que estivesse. Os cálculos anteriores não correspondem
às novas circunstâncias. Num caso como este a "derrota" é a igreja
oficial e não aqueles que defendem a "ordenação" (a igualdade) das
mulheres na Igreja.
Nesta linha, as palavras de R. Bougeois colocam-nos perante
um problema grave. Sempre houve diferenças entre a hierarquia e muitos teólogos
católicos, mas agora são, talvez, maiores e, sobretudo, mais públicas. Nalguns
casos, como neste de R. Bourgeois, podem ocorrer rupturas e excomunhões (porque
são casos públicos), mas na maioria não se dão, de tal modo que tende a existir
de facto uma "dupla verdade", ou melhor dito, um pensamento múltiplo...
Os da barca oficial de Pedro parecem enterrar a cabeça como as avestruzes,
desde que não ameacem em demasia o seu poder (mas em casos com os de Bougeois
respondem de forma contundente, provavelmente por medo).
De qualquer modo, estou convencido de que o tempo do
pensamento único na Igreja Católica terminou... apesar da
"excomunhão" contra o P. Bourgeois. A derrota papal (no sentido
náutico) levou a Barca de Pedro (do Vaticano) a lugares que já estão
intransitáveis.
Casos como este de R. Bourgeois situam-nos perante um
passado sem saída... (e sem memória). Viver desse passado cego (e muito parcial)
significa encalhar ou morrer.