domingo, 10 de fevereiro de 2013

IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES




Em 7 de Novembro de 2008, tendo recebido a ameaça de excomunhão, que deveria produzir-se automaticamente num mês, se entretanto não se retratasse, o Pe. Bougeois escreveu uma carta aberta à Congregação para a Doutrina da Fé, reafirmando a sua posição:

"Com todo o respeito, creio que o que a nossa Igreja Católica ensina sobre esta questão é errado e não se sustenta numa análise séria. Um relatório da Comissão Bíblica Pontifícia, em 1976, apoiava a investigação de especialistas em Escrituras, em Direito Católico e de muitos fiéis católicos que estudaram e reflectiram as Escrituras, concluindo que não há justificação na Bíblia para a exclusão das mulheres do sacerdócio. Como pessoas de fé, professamos que o convite para o ministério do sacerdócio vem de Deus.

Professamos que Deus, Fonte da Vida, criou homens e mulheres com o mesmo grau de dignidade... Há oito anos, enquanto participava de uma conferência em Roma para a paz e a justiça, fui convidado para falar sobre o SOA na Rádio Vaticano. Durante a entrevista, indiquei que eu não podia denunciar a injustiça de SOA e permanecer em silêncio sobre as injustiças na minha Igreja. Terminei a entrevista dizendo:

'Nunca haverá justiça na Igreja Católica até que as mulheres possam ser ordenadas.' Continuo firme hoje nesta visão. Ter um clero totalmente masculino implica que os homens são dignos de ser sacerdotes católicos, mas as mulheres não o são."


A "derrota" papal

A imposição do Vaticano faz com que o P. Bourgeois tenha que deixar os ministérios oficiais da Igreja Católica. Isso significa, em certo sentido, uma "victória" da Igreja oficial, mas o que num sentido é victória, noutro é uma "derrota".

Derrota (em sentido náutico) significa "mudança de rumo". Prepara-se o navio, traça-se a rota, medem-se as variáveis, ajusta-se o leme... e ao fim de um tempo o navio não está onde deveria (onde se pensava que deveria estar), mas sim noutro lugar... por influência dos ventos, das marés e de outros movimentos da terra e da água.

A Barca de Pedro traçou há bastante tempo uma rota... mas já não está onde se esperava que estivesse. Os cálculos anteriores não correspondem às novas circunstâncias. Num caso como este a "derrota" é a igreja oficial e não aqueles que defendem a "ordenação" (a igualdade) das mulheres na Igreja.

Nesta linha, as palavras de R. Bougeois colocam-nos perante um problema grave. Sempre houve diferenças entre a hierarquia e muitos teólogos católicos, mas agora são, talvez, maiores e, sobretudo, mais públicas. Nalguns casos, como neste de R. Bourgeois, podem ocorrer rupturas e excomunhões (porque são casos públicos), mas na maioria não se dão, de tal modo que tende a existir de facto uma "dupla verdade", ou melhor dito, um pensamento múltiplo... Os da barca oficial de Pedro parecem enterrar a cabeça como as avestruzes, desde que não ameacem em demasia o seu poder (mas em casos com os de Bougeois respondem de forma contundente, provavelmente por medo).

De qualquer modo, estou convencido de que o tempo do pensamento único na Igreja Católica terminou... apesar da "excomunhão" contra o P. Bourgeois. A derrota papal (no sentido náutico) levou a Barca de Pedro (do Vaticano) a lugares que já estão intransitáveis.

Casos como este de R. Bourgeois situam-nos perante um passado sem saída... (e sem memória). Viver desse passado cego (e muito parcial) significa encalhar ou morrer.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O SENTIDO DA VIDA



Ao reler alguns apontamentos meus, não pude deixar de considerar, mais uma vez, os textos tão importantes de Anselmo Borges. Eis porque relembro aqui um texto publicado já em Dezembro de 2011:

"O que de modo grave infectou o cristianismo foi a doutrina infausta do pecado original. Escreveu o grande historiador católico Jean Delumeau: "Não é exagerado afirmar que o debate sobre o pecado original, com os seus subprodutos – problemas da graça, do servo ou livre arbítrio, da predestinação –, se converteu (no período central do nosso estudo, isto é, do século XV ao XVII) numa das principais preocupações da civilização ocidental, acabando por afectar toda a gente, desde os teólogos aos mais modestos aldeões. Chegou a afectar inclusivamente os índios americanos, que eram baptizados à pressa para que, ao morrerem, não se encontrassem com os seus antepassados no inferno. É muito difícil, hoje, compreender o lugar tão importante que o pecado original ocupou nos espíritos e em todos os níveis sociais. É um facto que o pecado original e as suas consequências ocuparam nos inícios da modernidade europeia o centro da cena mundial, sem dúvida muito atribulado."

Quando se fala em pecado original, é necessário atender ao seu significado. A língua alemã, precisa como é, distingue entre Ursünde (o pecado originário) e Erbsünde (o pecado herdado). O autor principal do pecado original enquanto herdado foi Santo Agostinho. Para explicar o mal, também o sofrimento e a morte, postulou que no pecado de Adão e Eva todos pecaram e não hesitou em deixar cair no inferno as crianças sem baptismo.

Neste contexto, Santo Anselmo, no quadro jurídico da doutrina da satisfação, ensinou que só a morte de Cristo na cruz podia pagar a dívida infinita da culpa do pecado. Só a morte do Filho podia aplacar a ira de Deus e reconciliá-lo com a Humanidade.

Jesus, porém, não falou em pecado original.

Depois, com a doutrina da evolução, como era possível conceber o pecado dos primeiros seres humanos (quem foram os primeiros?), ainda em processo de humanização, um pecado tal que tinha transformado a natureza das coisas?
Foi Hegel que viu bem: o que se chama pecado original não é senão uma metáfora para indicar a passagem da animalidade à humanidade, da saída do paraíso da inocência da inconsciência e da fusão com a natureza à consciência de si e da mortalidade: se comerdes da árvore do bem e do mal (como podiam pecar, se ainda não sabiam do bem e do mal?), sabereis que estais nus (cada um é ele mesmo, ela mesma, separados e já não fundidos com a natureza) e que sois mortais.

Agora, é Armindo Vaz, professor da Universidade Católica, que, numa obra de profunda e ampla investigação - Em vez de "história de Adão e Eva": O sentido último da vida projectado nas origens - vem esclarecer a problemática do Génesis, capítulos 2-3.

Evidentemente, só posso deixar algumas proposições inevitavelmente fragmentárias.

1. Trata-se de um mito de origem, e os mitos de origem são etiológicos, pretendem, projectado nas origens, "compreender, interpretar, dizer o sentido último, antropológico/religioso, das coisas da vida por meio da fé".
2. Adão e Eva não existiram: são personagens míticos e não históricos.
3. O "paraíso terreal" é o "pomar da várzea"; o que existe para a fé é, em esperança, o "paraíso celeste".
4. Com Adão e Eva, pretende-se exprimir a existência complementar do homem em relação com a mulher e vice-versa.
5. A nudez não é passível de interpretação sexual; o abrir-se dos olhos pelo conhecimento do bem e do mal é o evoluir do ser humano da incivilização para a civilização e a cultura.
6. Como se pode falar em pecado ou mal moral, se ao cometer a "transgressão" o Homem ainda não gozava de "conhecimento", que só adquire precisamente no acto de "comer" o fruto proibido?
7. Com o motivo da "árvore da vida", afirma-se que não pode viver para sempre, porque a imortalidade é prerrogativa exclusiva de Deus: o Homem não pode ser como Deus.
8. Não há ligação entre mal moral e mal natural."

Concluindo, o que este mito pretende é ligar os aspectos do mundo a uma Origem ou a um Criador divinos. Deus é apresentado como sentido último de tudo o que existe.