domingo, 16 de dezembro de 2012

MARIA, A CRENTE




Neste Advento, penso que não poderemos deixar de pensar da importância de Maria – a Crente – na obra da salvação e da própria Evangelização.

Deixo, aqui, um pequeno apontamento extraído da obra de Xabier Pikaza Ibarrondo. Poderá, quem quizer, estudar mais pormenorizada e desenvolvidamente aqui.

"Sem dúvida, a actuação poderosa de Deus, que derruba os potentados e exalta os oprimidos, tem de entender-se à luz do Evangelho, pregado e realizado no caminho da Igreja. Por isso, na introdução do seu canto (Magnificat), Lucas tem o cuidado de apresentar Maria como crente " Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor" (Lc 1, 45), para além do nível "ventre e peito", onde poderia situá-la numa genealogia do tipo israelita (cf. Lc 11,27-28; 8,19-21).

Maria é a crente por antonomásia. As palavras que lhe disse o Anjo na Anunciação são o princípio e o conteúdo da salvação para os homens. Por isso as recebe numa atitude profunda de Fé. Assim o ratifica Isabel, quando afirma: "Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor (Lc 1,45), é dizer, a mesma plenitude messiânica (cf. Lc 1, 31-33). Pois bem, Maria ratifica essa palavra de promessa da sua prima (Isabel) israelita que Deus há-de cumprir o seu compromisso "derrubando do trono os poderosos e exaltando os oprimidos" (Lc 1,53). Assim nos situa no centro do caminho de Jesus, no seu Evangelho.

- Por isso trataremos da mensagem de Jesus como espaço onde se situa a palavra do Magnificat. Jesus introduz-nos no mistério da acção de Deus e apenas a partir do mais profundo dela entenderemos o que quer dizer os famintos e oprimidos, com a inversão escatológica que se anuncia no canto de Maria /cf. LC 6,20-21).

- Mas o Magnificat leva-nos, desde Cristo, até ao espaço da Igreja cristã primitiva. Pelos Actos 1,14 sabemos que maria fez parte dela, recebendo o Espírito pascal de Jesus Cristo. Por isso, as suas palavras hão-de ouvir-se desde o fundo da antiga Igreja palestina que, baseando-se em Jesus, espera a chegada do seu Reino.

- Finalmente, o Magnificat leva-nos até à própria história e à palavra de Maria dentro da Igreja. Pensamos que ela não repete simplesmente uma palavra que existisse de antemão. A sua mensagem tem rasgos especiais que se devem distinguir de outras mensagens daquele tempo, como são o Benedictus y Nunc Dimittis (cf. Lc 1, 67-79; 2,29-32)".

(Para una visão geral do Magnificat, cf. R. E. Brown, El nacimiento del Mesías, Madrid 1982, 369-382; C. Escudero F., Devolver el evangelio a los pobres, Salamanca 1978, 173-222; I. Gomá, El Magníficat. Cántico de la salvación, Madrid 1982; S. Muñoz I., Los cánticos del evangelio de la infancia según san Lucas, Madrid 1983, 61-162. Todos ellos ofrecen extensa bibliografía sobre el tema. Para un estudio más amplio de la temática, cf. C. Larcher, Etudes sur le libre de la Sagesse, Paris 1969. Visión general desde la perspectiva de inmortalidad-resurrección en G. W. E. Nickelsburg, Resurrection, immortality and eternal lile in intertestamental Judaism, Harvard 1972).

sábado, 10 de novembro de 2012

Cântico do amor




1Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor, sou como um bronze que soa
ou um címbalo que retine.
2Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
se não tiver amor, nada sou.
3Ainda que eu distribua todos os meus bens
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver amor, de nada me aproveita.
4O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
5nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita nem guarda ressentimento.
6Não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.
7Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
8O amor jamais passará.
As profecias terão o seu fim,
o dom das línguas terminará
e a ciência vai ser inútil.
9Pois o nosso conhecimento é imperfeito
e também imperfeita é a nossa profecia.
10Mas, quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.
11Quando eu era criança,
falava como criança,
pensava como criança,
raciocinava como criança.
Mas, quando me tornei homem,
deixei o que era próprio de criança.
12Agora, vemos como num espelho,
de maneira confusa;
depois, veremos face a face.
Agora, conheço de modo imperfeito;
depois, conhecerei como sou conhecido.
13Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e o amor;
mas a maior de todas é o amor.

Paulo, apóstolo (1Cor 13, 1-13)

domingo, 9 de setembro de 2012

UMA OUTRA IGREJA É POSSÍVEL



É importante demais para deixar de publicar este texto de Anselmo Borges no Diário de Notícias de 8 de Setembro p.p. Referia-se ao grande vulto do Cristianismo, o cardeal Carlo M. Martini que morreu na semana passada.

"No dia 8 de Agosto, em jeito de testamento espiritual, deu a sua última entrevista, no Il Corriere della Sera, afirmando que a Igreja precisa de "uma mudança radical. A começar pelo Papa e pelos bispos". Preocupava-o uma Igreja 200 anos atrasada, sem vocações, agarrada ao bem-estar: "os nossos rituais e vestimentas são pomposos." "Na Europa do bem-estar e na América, a Igreja está cansada." Três instrumentos para sair deste esgotamento: "O primeiro é a conversão. Deve reconhecer os próprios erros. Os escândalos de pedofilia obrigam-nos a empreender um caminho de conversão. As perguntas sobre a sexualidade e sobre todos os assuntos que dizem respeito ao corpo são um exemplo. Devemos perguntar-nos se as pessoas ainda escutam os conselhos da Igreja em matéria sexual. A Igreja é ainda uma autoridade de referência ou apenas uma caricatura nos media?" O segundo conselho e o terceiro têm a ver com a recuperação da palavra de Deus e dos sacramentos como ajuda e não como castigo.

O cardeal Carlo M. Martini morreu na semana passada. Lúcido, e depois de ter recusado a obstinação terapêutica. Perito em crítica textual do Novo Testamento, foi arcebispo de Milão durante 22 anos e um intelectual eminente. Homem de diálogo - é um best-seller a obra Em Que Crê quem não Crê, debate com o agnóstico Umberto Eco -, era a figura mais brilhante do Colégio dos Cardeais.

Em 2008, exprimiu, com coragem, o seu pensamento sobre questões fundamentais para a Igreja e para o mundo actual, num livro de conversas com outro jesuíta, G. Sporschill: Colóquios Nocturnos em Jerusalém. Aí, interrogava-se: "Quando o Reino de Deus chegar, como será? Como será, depois da minha morte, o meu encontro com Cristo, o Ressuscitado?"
Causava-lhe preocupação "a falta de coragem". "A Igreja deve ter coragem para reformar-se", pois ela "precisa constantemente de reformas". "Porque eu próprio sou tímido, digo a mim mesmo na dúvida: coragem!" Atreveu-se a pôr Lutero, "o grande reformador", como exemplo, recordando que "a Igreja católica se deixou inspirar pelas reformas de Lutero no Concílio Vaticano II". A Igreja actual tem "medo", mas, se Jesus voltasse, "lutaria com os actuais responsáveis da Igreja", recordando-lhes que "não devem estar fechados em si mesmos, mas olhar para lá da própria instituição".

Foi sempre fiel à "sua" Igreja, que devia ser "uma Igreja simples, com menos burocracia", pobre, humilde, que não depende dos poderes deste mundo, uma "Igreja inventiva", "jovem", que dá ânimo sobretudo aos mais pequenos e pecadores, que luta pela justiça, mais colegial, e que volte ao Concílio, pois "há a tendência de afastar-se dele".

Sobre a juventude e a sexualidade, incluindo as relações pré-matrimoniais: "nestas questões profundamente humanas, não se trata de receitas, mas de caminhos." A Igreja deve ir ao encontro de uma sexualidade que não está "reservada ao confessionário e ao âmbito da culpa", uma sexualidade "sã e humana", com "uma nova cultura que promova a ternura e a fidelidade".

Foi sensível no trato com os homossexuais e compreendia o uso do preservativo. Confessou que a encíclica Humanae Vitae, em 1968, com a proibição da "pílula contraceptiva", "é co-responsável pelo facto de muitos já não tomarem a sério a Igreja como parceira de diálogo e mestra". Mas estava convicto de que "a direcção da Igreja pode mostrar um caminho melhor do que o da encíclica". Procuramos "um novo caminho" para falar sobre a sexualidade, a regulação da natalidade, a procriação medicamente assistida. Contra o celibato obrigatório, disse que era preciso "debater a possibilidade" de ordenar homens casados e de abrir a ordenação às mulheres.

Reconheceu as suas "dúvidas de fé". "Combati com Deus", "porque, quando vejo o mal do mundo, fico sem alento e entendo os que chegam à conclusão de que Deus não existe". Mas acreditava que "o amor de Deus é mais forte", e o inferno está vazio.

Alguma imprensa inglesa definiu-o como o "Papa perfeito para o século XXI". Como seria a Igreja, se Martini tivesse sido Papa? De qualquer modo, ele foi um exemplo de que uma Igreja outra é possível".

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

PAI NOSSO



Quantas mais vezes medito na oração que Jesus nos ensinou – "O Pai Nosso" – mais sinto a disponibilidade de Deus para nos tornar felizes. Cristo, ao ensinar-nos a rezar, ensinou-nos, também, a essência da nossa fé:


A ORAÇÃO



A MEDITAÇÃO

Pai Nosso que estais nos Céus
F

Reconhecemos Deus como um pai

"Qual de vós, se o seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? Ora bem, se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está no Céu dará coisas boas àqueles que lhas pedirem." (Mt 7,9-11)
"Como a mãe consola o seu filho, assim Eu vos consolarei;" (Is 66,13)
"É por isso que eu dobro os joelhos diante do Pai, do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra" (Ef 3,14-15)

Santificado seja o vosso Nome
F

Afirmamos o louvor que Lhe é devido

"Assim falou Jesus. Depois, levantando os olhos ao céu, exclamou: «Pai, chegou a hora! Manifesta a glória do teu Filho, de modo que o Filho manifeste a tua glória" (Jo 17,1)
"Manifestei o teu nome aos homens" (Jo 17,6)
A cada momento santifiquemos o nome de Deus, reconhecendo a Sua Identidade – O Santo dos Santos – Deus.

Venha a nós o vosso Reino
F

Dispomo-nos a viver no reino de Deus, agora e depois da nossa morte

"Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo." (Mt 6,33)
O "reino de Deus" quer dizer "soberania de Deus"

Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu
F

Afirmamos a nossa vontade e disponibilidade de cumprirmos a Sua vontade, em qualquer lugar e em qualquer circunstância

"Declarou-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra." (Jo 4,34)
"Afastou-se, pela segunda vez, e foi orar, dizendo: 'Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade'! " (Mt 26,42)

O pão nosso de cada dia nos dai hoje
F

Cristo sabia que, sendo humanos, necessitaríamos de comer, beber, vestir…

"Por isso vos digo: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas?" (Mt 6,25-26)
"Digo-vos, pois: Pedi e ser-vos-á dado; procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todo aquele que pede, recebe; quem procura, encontra, e ao que bate, abrir-se-á.
Qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente? Ou, se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião?
Pois se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem!" (Lc 11,9-13)

Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido
F

O nosso amor para com Deus mostra-se na forma como amamos o nosso próximo

"Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo." (Mt 5,23-26)
"Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: 'Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?' Jesus respondeu: 'Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete'." (Mt 18,21-22)

E não nos deixeis cair em tentação
F

Quando tentados, dai-nos força para lhe resistirmos…

"Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas. Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela." (1 Cor 10,13)
"É precisamente porque Ele mesmo sofreu e foi posto à prova, que pode socorrer os que são postos à prova". (Heb 2,18)

Mas livrai-nos do Mal.
F

Deus livar-nos-á do mal, qualquer que ele seja e a forma como se apresenta… Tenhamos Fé!

"Se Deus é por nós, quem será contra nós? (…) Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? (…) Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou. Pois estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá separar-nos do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor." (Rom 8,31-39)



sexta-feira, 29 de junho de 2012

AS MULHERES NA VIDA DE JESUS







Jesus nunca foi misógino. Não só não discriminou as mulheres, como as valorizou.
"Afastadas dos problemas sociais, excluídas da vida pública, as mulheres eram grandes perdedoras na sociedade judaica do tempo de Jesus. Por isso não deixa de surpreender a 'ousadia' do Mestre, que contava com algumas no grupo itinerante dos seus discípulos". Esta afirmação foi feita por Ariel Álvarez Valdés, doutor em Teologia Bíblica, Santiago del Estero, Argentina e contida num artigo publicado na revista Mensaje.

Se Jesus veio anunciar o grande mandamento do amor, essência da salvação, não poderia, em caso algum, discriminar alguém. Amar o próximo como a nós mesmos não é uma mensagem dirigida somente aos homens, aos crentes, aos discípulos, aos piedosos… Não! É uma mensagem dirigida a toda a humanidade: Homens, mulheres, fiéis, crentes e não crentes, pagãos, judeus, gentios, estrangeiros, amigos e inimigos… Dirigida a todos. E, ao longo da sua vida, demonstrou isso mesmo.

Durante sua vida, Jesus configurou um novo tipo de discipulado itinerante. Mas sua atitude mais inovadora e audaz foi a de ter admitido mulheres nesse grupo, que viajavam com ele, compartilhando essas instruções.
Na sua época, as mulheres não gozavam de tais liberdades. Não era bem visto que tivessem tratamento directo com outros homens que não fossem seus familiares. E, quando iam ao templo, com motivo de uma festa religiosa, não podiam ingressar no pátio onde estavam os homens, devendo permanecer num claustro exclusivo. Também quando iam rezar nas sinagogas, permaneciam separadas dos homens.
Afastadas dos problemas sociais, excluídas da vida pública, separadas dos debates religiosos, sem concorrência em questões políticas, eram as grandes perdedoras na sociedade judia dos tempos de Jesus. Sua função se reduzia ao cuidado da casa e dos filhos. Por isso não deixa de surpreender a ousadia do Mestre de Nazaré.

Eis algumas das mulheres mais importantes na vida de Jesus:

- Maria de Nazaré, de mãe a discípula. Aquele hino – o Magnificat –, que Maria de Nazaré recita quando visita a prima Isabel, depois de ambas ficarem grávidas, diz: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. (…) Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias (…)”, é, sem dúvida (como o refere Isabel Gómez Acebo), o “texto mais revolucionário” que se poderia cantar. Há uma linha de pensamento no catolicismo que fala do silêncio de Maria (não convinha…), mas ela questiona muito: quando faz perguntas ao anjo na anunciação, no Magnificat ou quando diz ao filho, nas bodas de Caná – a auto-revelação de Jesus –, que "não há vinho…!"É, de facto, uma personalidade muito marcante.

- Maria Madalena, a apóstola dos apóstolos. “Quem foi, de facto, Maria Madalena: uma pecadora arrependida, uma discípula predilecta, a enviada (apóstola) a anunciar a ressurreição, a esposa de Jesus?”
Foi o Papa Gregório Magno (590-604) que, num sermão de Páscoa, identificou Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora que unge Jesus com o perfume como a mesma mulher. Nada mais errado, pois os evangelhos são claros em distinguir três pessoas diferentes.
Natural de Magdala, pequena cidade da Galileia, Maria é referida nos evangelhos como alguém que, a par de outras mulheres, cuidava de Jesus e colocara os seus bens ao serviço do grupo. O facto “sugere que Maria Madalena era uma pessoa com recursos, que ofereceu a sua devoção a Jesus, que a curara” de “sete demónios”, nota Geza Vermes, que dirige o Centro de Estudos Hebraicos de Oxford. “Não me importa de que cor era o amor que ela tinha, o que interessa é que era tão grande que mudou a sua vida.”

- Maria de Betânia, a discípula que escuta o hóspede. Marta atarefava-se “com muitos serviços”, como conta Lucas. Marta queixa-se da irmã a Jesus, mas este repreende-a: “Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” “Estar aos pés do mestre é, na literatura rabínica, ser discípulo de alguém”, diz a religiosa espanhola Isabel Maria Fornari, autora de uma tese com o título "La Escucha del Huésped" (ed. Verbo Divino, Espanha), onde estuda este episódio. Mas a cena remete também para a hospitalidade bíblica, que inclui um elemento importante – o da comunicação. “É importante servir, comer, mas, quando alguém vem a nossa casa, mais importante é a comunicação que se estabelece.”
O facto de Maria de Betânia se colocar à escuta, diz ainda Maria Vaz Pinto, é “também uma manifestação de amor: estar quieta, aprender, ouvir, deixar-se tocar”.

- A Samaritana, saltar todas as normas da "moral". É, provavelmente, um dos textos mais notáveis dos evangelhos, este em que Jesus pede água a uma samaritana. Duplo pecado: dirigir a palavra a uma mulher, ainda por cima da Samaria – “os judeus não se dão bem com os samaritanos”, explica a narrativa de São João. A cena decorre por volta do meio-dia, junto ao poço de Jacob, em Sicar. Jesus está cansado e quer descansar e refrescar-se.
“Jesus adopta logo, implicitamente, o lugar inferior. As suas palavras não são uma ordem, mas um pedido. Dirige-se [à samaritana] de mãos vazias, à procura de qualquer coisa que só ela é capaz de lhe dar”, escreve o Irmão John, de Taizé (À Beira da Fonte, ed. AO).
O diálogo prossegue com Jesus a dizer que chegará a hora em que Deus será adorado “em espírito e verdade” e não num qualquer templo. E quando a mulher diz que todos esperam o messias, Jesus diz-lhe: “Sou eu, que estou a falar contigo” – é a única vez em que se assume como tal perante alguém.

- A pecadora de Betânia, Jesus deixa-se acariciar. É uma mulher que “entra e sai em silêncio, mas o leitor sente que a sua passagem se revestiu de uma eloquência ímpar”, escreve o biblista José Tolentino Mendonça em "A Construção de Jesus" (ed. Assírio & Alvim). Nesta obra, o autor analisa o episódio em que uma pecadora irrompe pela casa de Simão, um fariseu que convidara Jesus.
“Estando por detrás, aos seus pés, chorando começou a banhar-lhe os pés com lágrimas e com os cabelos da sua cabeça os enxugava e beijava-lhe os pés e ungia-os com perfume”, conta o texto de São Lucas. Simão diz para consigo: “Se este fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que o toca, pois é uma pecadora!” Jesus pressente o que ele pensa e, depois de lhe contar uma parábola, diz que a mulher lhe banhou os pés com as suas lágrimas e o perfumou. E conclui: “São perdoados os pecados dela, os muitos, porque amou muito.”


sexta-feira, 1 de junho de 2012

INTELIGENT DESIGN



Tive conhecimento, muito recentemente, do conteúdo da obra "Secular Philosophy and the Religious Temperament: Essays 2002-2008", de Thomas Nagel, o que me deixa curioso e impaciente para o ler.

Thomas Nagel é um filósofo dos Estados Unidos nascido em Belgrado, a 4 de Julho de 1937. Actualmente é professor de Filosofia e Direito na New York University. Os seus trabalhos centram-se, principalmente, na Filosofia da Mente, na Filosofia Política e na Ética. Notabilizou-se, ainda, pela crítica desenvolvida aos estudos reducionistas sobre a mente, através da sua obra "What Is it Like to Be a Bat?" ("Como é ser um morcego?"), de 1974.

É, também autor de "Uma breve introdução à Filosofia"; obra de divulgação que aborda temas da filosofia em linguagem acessível, propondo uma reflexão individual acerca de questões como "saber o que é o certo e o que é o errado".

Há uns anos, Nagel conseguiu encolerizar muitos ateus militantes e várias dezenas de cientistas, quando recomendou, no Times Literary Supplement, um livro de Stephen Meyer, "Signature in the cell", defendendo uma variante do Criacionismo, denominada Concepção Inteligente (Intelligent Design).

O problema dos críticos de Nagel, no que toca à recomendação feita ao citado livro, é que confundiram duas questões, cujo ensaio "Secular Philosophy and the Religious Temperament" cuida clarificar os conceitos, criando duas alternativas:
- Acreditar que Deus existe e que foi ele que criou o Universo, connosco incluídos; ou
- Acreditar que a vida está cientificamente ordenada através de uma vontade inteligente, mesmo que não se acredite em Deus.

Para Nagel, esta dissociação é possível.

Claro que estando envolvida na discussão uma possibilidade de ligação a Deus, há imediatamente uma espiral de loucura e excessos à volta dos argumentos utilizados de parte a parte.

Nagel é a melhor excepção que encontro neste momento, além de que não é aquilo a que se chama "um crente".
- Analisados estes pressupostos, dou comigo a pensar em duas questões alternativas (cada vez mais actuais):A vida, na generalidade (ou apenas a vida humana[?]), foi-se desenvolvendo por contingências avulsas, motivada por mecanismos de sobrevivência, como defendem os seguidores de Darwin…? ou
- Foi gizada de acordo com uma inteligência superior, mesmo que não seja considerada Deus, mas apenas um outro tipo de ser, suficientemente inteligente para nos criar…?

Eu tenho uma opção relativamente a estas duas questões; só que esse Ser, para mim, está bem definido…

domingo, 22 de abril de 2012

O EFEITO DE MATEUS



Quero partilhar mais uma crónica de Anselmo Borges publicada no DN, de 21 de Abril. Convém não tirar conclusões apressadas e interiorizar bem a mensagem que, embora pareça, não faz a apologia dos poderosos; antes pelo contrário…

É imperioso que não viciemos as regras do "jogo" e desenvolvamos as nossas capacidades para dar cumprimento aos desígnios de Deus.

"Significativamente, os mestres religiosos foram advertindo particularmente contra a ganância, que leva à corrupção, à opressão, à injustiça, à violência e à morte.
Ficam aí, a título de exemplo, três textos famosos do Evangelho segundo Lucas e São Mateus. Não se esqueça que Mateus sabia bem do que falava, pois tinha sido chefe de cobradores de impostos.
1. A primeira parábola é a do administrador infiel. Um homem rico tinha um administrador, que foi denunciado por ter dissipado os seus bens. Chamado a prestar contas e percebendo que ia ser demitido, reflectiu: "Que farei, visto que o meu patrão me tira o emprego? Lavrar a terra? Não posso. Mendigar? Tenho vergonha. Já sei o que vou fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido. Chamou, pois, separadamente, a cada um dos devedores do seu patrão e perguntou ao primeiro: Quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Disse-lhe: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve: cinquenta. Depois, perguntou ao outro: Tu, quanto deves? Respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o administrador: Toma os teus papéis e escreve oitenta."
Quando se olha para o descalabro de bancos, défices brutais em obras públicas, corrupções em cadeia, conhecidas e desconhecidas, somos levados a perguntar quantas vezes esta parábola se tornou realidade entre nós. Até sem papéis.
2. A segunda parábola é a dos talentos. A um foram dados cinco talentos – talento era uma unidade monetária. E ele, negociando, ganhou outros cinco. O que recebeu dois ganhou outros dois. O que recebeu apenas um foi cavar a terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.
Quando o senhor voltou, prestaram contas. E os que tinham recebido cinco e dois talentos ouviram a sentença: "Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, confiar-te-ei muito. Vem regozijar-te com o teu senhor." Mas o que recebeu um só talento disse: "Senhor, sabia que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por isso, tive medo e fui esconder o teu talento na terra. Aqui está, toma o que te pertence." Sentença do senhor: "Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não semeio e que recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar o meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com os juros o que é meu. Tirai-lhe este talento e dai-o ao que tem dez."
E seguem-se estas palavras terríveis: "Ao que tem dar-se-á e terá em abundância. Mas ao que não tem até o que tem lhe será tirado."
Ora, não é esta a lógica da Banca? Não se trata, evidentemente, de modo nenhum, de legitimar a preguiça e a inépcia. Mas não é uma constatação: os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres? Aí está o que os sociólogos denominam, precisamente a partir da parábola, o "efeito de Mateus": quem leu mais em criança tem mais possibilidades em adulto; com trabalhos e resultados iguais, os cientistas mais famosos serão mais citados do que os menos famosos; quem mais tem, em princípio, aumentará constantemente a sua riqueza.
3. Mas, no Evangelho, depois destas parábolas, vem o Juízo Final. Do que se trata é de revelar o essencial da história do mundo, na perspectiva de Deus. E o decisivo não são actos de culto, mas a justiça e a solidariedade: "Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado, porque tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era peregrino e acolhestes-me; nu e vestistes-me; enfermo e visitastes-me; estava na prisão e viestes ver-me."
Os justos não sabiam: "Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber, peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos, enfermo ou na prisão e te fomos visitar?" E Cristo: "Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim mesmo que o fizestes." O que se faz ao outro é feito a Cristo.
Entretanto, parece confirmar-se cada vez mais o "efeito de Mateus": não está o fosso entre os ricos e os pobres cada vez mais fundo? Cuidado! A situação pode tornar-se explosiva."

Anselmo Borges

sábado, 7 de abril de 2012

A ESSÊNCIA DA NOSSA FÉ



Páscoa de 2012.

Jesus ressuscitou, aleluia!

Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé e permaneceis ainda nos vossos pecados (1Cor 15,17).

Acentua-se o desrespeito pelos valores humanos e, indirectamente, pelos religiosos. Cada vez mais, as pessoas refugiam-se no Cristo Milagroso; já foi por meio dos milagres que os discípulos descobriram a presença de Deus, vendo em Jesus de Nazaré o Filho de Deus.

Para além da Graça de Deus para connosco nos apoios directos que nos presta, meditemos na essência da nossa fé – o Credo:

O CREDO
MEDITAÇÃO
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso
Criador do Céu e da Terra,
De todas as coisas visíveis e invisíveis.
Não querendo criar hipóteses alternativas à individualidade de Deus, dada a minha limitação de homem, permito-me levantar uma questão: Se houvesse mais que um Deus teria de haver uma hierarquização, nem que fosse somente de competências; a entidade maior seria o único Deus, pois sobrepunha-se aos outros. Assim sendo, essa entidade seria Deus.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigénito de Deus,
Nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;
Gerado, não criado, consubstancial ao Pai.
Por Ele todas as coisas foram feitas.
Jesus Cristo, enquanto homem, é o único que merece e a quem deve ser dado, em exclusivo, o tratamento de Senhor. Senhor, neste caso, será: – dono absoluto, possuidor de algum Estado (o Reino de Deus), território ou objecto; rei, chefe; título honorífico de alguns monarcas; título que se conferia a, antigamente, a pessoas distintas, quer fosse pela sua posição, quer pela dignidade de que estavam investidas.
E por nós homens e para nossa salvação
Desceu dos Céus.
E encarnou pelo Espírito Santo,
No seio da Virgem Maria,
E se fez homem.
Somente enquanto Homem o Filho de Deus poderia mostrar e demonstrar, nessa sua condição, o seu amor. Esse amor é, na realidade, a grande Nova que Jesus nos dá – "…Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes" (Mc 12,31).
Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
Padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
Conforme as Escrituras;
E subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai.
Sem revolta, perdoando a quem o matou, demonstrando – como o fez ao longo da sua vida através do seu poder de curar, ressuscitar mortos e demais milagres – que, se quisesse, não necessitaria de ser morto… Amor é, como dizia Camões, "ter com quem nos mata lealdade". Não há maior prova de amor do que dar a vida por outra pessoa, e Jesus fê-lo com Amor; Amor que é a essência do Cristianismo.
De novo há-de vir em sua glória
Para julgar os vivos e os mortos;
E o seu Reino não terá fim.
É a Parúsia, i.e. a segunda vinda de Jesus Cristo, no fim dos tempos. Assemelha-se, e por vezes confunde-se, com o conceito de escatologia – a realidade posterior à vida terrena, ao futuro do homem concreto, após a sua morte.
Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida,
E procede do Pai e do Filho;
E com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas.
Mas Deus Pai, Jesus e o Espírito Santo são um único ser. A Santíssima Trindade é um único ser constituído da mesma substância divina – as Três Pessoas são O Único Deus.
O Espírito Santo é a fonte de inspiração…
Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica.
Igreja – do grego ekklesia – quer dizer "Assembleia". É a comunidade religiosa baseada na religião fundada por Jesus Cristo. É o Corpo Místico de Cristo – não simples sociedade humana; é o povo de Deus organizado como sociedade hierárquica, divina e humana. É o sinal e o instrumento da íntima união de Deus com os homens e, destes, entre si.
Professo um só Baptismo para a remissão dos pecados.
O baptismo é um rito de passagem (i.e. que muda o status de uma pessoa dentro de uma comunidade), feito normalmente com água sobre o iniciado. Este rito de iniciação está presente em vários grupos, religiosos ou não, onde destacam-se os cristãos. Na Igreja Católica, o batismo é o sacramento através do qual o Sacrifício Pascal de Jesus Cristo se aplica às almas, tornando-as membros da Igreja e abrindo o caminho da salvação eterna.
E espero a ressurreição dos mortos
E a vida do mundo que há-de vir. Ámen.
A ressurreição é considerada a base fundamental do cristianismo. Como disse S. Paulo aos Coríntios "e, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé e permaneceis ainda nos vossos pecados (1Cor 15,17).
O cristão ao crer na ressurreição dos mortos e na vida eterna, acredita que nós – seres humanos –, teremos um futuro melhor.
Nós cremos firmemente que, tal como Jesus ressuscitou dentre os mortos e que vive para sempre, assim também os justos, depois da morte, viverão para sempre com Cristo Ressuscitado, e que Ele os ressuscitará.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Se Deus tivesse falado


Baruch (Benedictus, em latim) Spinoza, Bento de Espinoza (também Benedito Espinoza; em hebraico: ברוך שפינוזה – Baruch Spinoza), filho de uma família judaico-portuguesa nasceu a 24 de Novembro de 1632, em Amsterdão e morreu em Haia a 21 de Fevereiro de 1677. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. É considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.
A sua família fugiu da Inquisição de Portugal.
Foi um profundo estudioso da Bíblia, do Talmude e de obras de judeus como Maimónides, Ben Gherson, Ibn Ezra, Hasdai Crescas, Ibn Gabirol, Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também de Giordano Bruno.
Apesar de não concordar com tudo o que ele escreve aqui, tenho de reconhecer que este texto – Se Deus tivesse falado – é de uma profundidade e de uma autenticidade cristã que nos devem levar a pensar no grande mandamento do Amor:

Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes da tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
A minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso o meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que a tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar o teu amor, o teu êxtase, a tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos, nos olhos do teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais dizer-me como fazer o meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu enchi-te de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso culpar-te se respondes a algo que Eu pus em ti? Como posso castigar-te por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que Eu poderia criar um lugar para queimar todos meus filhos que não se comportem bem, para o resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita o teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que o teu estado de alerta seja o teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu fiz-te absolutamente livre. Não há prémios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registo.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso dar-te um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não houver nada, terás aproveitado a oportunidade que te dei.
E se houver, tem a certeza que Eu não vou perguntar-te se foste bem comportado ou não. Eu vou perguntar-te se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas a tua amada, quando agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-Me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Aborrece-Me que me louvem. Cansa-Me que agradeçam. Tu sentes-te grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido?... Expressa a tua alegria! Esse é a forma de Me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para quê tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás.
Procura-me dentro... aí é que estou, tocando em ti.”

Baruch Spinoza.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

RELIGIÃO


Podemos considerar, do ponto de vista antropológico e histórico, que a religião (em abstracto) é a atitude assumida pelo homem perante o poder sobrenatural, do qual se sente dependente, como sendo criatura sua. A Religião é, também, um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e os valores morais. As religiões têm, normalmente, narrativas, símbolos, tradições e histórias sagradas que se destinam a dar sentido à vida ou explicar as suas origens e do universo; tendem a provir a moralidade, a ética, as leis religiosas ou um estilo de vida tendencialmente bom.
Cada religião exprime-se por comportamentos colectivos e concebe-se como uma virtude que leva ao desempenho de determinadas obrigações.
Os estudiosos classificam as religiões como religiões naturais e religiões reveladas. As primeiras têm origem meramente humana; são exemplo destas o confucionismo, o hinduísmo e o budismo. As segundas fundamentam-se na Revelação Divina conservada em livros ou documentos próprios (as Sagradas Escrituras); neste último caso consideram-se o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.
A palavra religião é muitas vezes usada como sinónimo de ou sistema de crença; todavia, o termo religião difere da crença privada na medida em que tem um aspecto público. A maioria das religiões têm comportamentos organizados, incluindo hierarquias clericais, uma definição do que constitui a adesão ou filiação dos seus membros, congregações de leigos, serviços destinados à veneração de uma entidade ou para a oração, lugares (naturais ou arquitetónicos) e/ou escrituras sagradas. A prática de uma religião pode também incluir comemoração das atividades de um deus ou deuses, sacrifícios, festivais, festas, transe, iniciações, serviços funerários, serviços matrimoniais, meditação, música, arte, dança, serviço público ou outros aspectos da cultura humana.
No âmbito daquilo que se define como religião podem-se encontrar muitas crenças e filosofias diferentes. Apesar de um sentimento idêntico que exerce sobre as pessoas, as diversas religiões do mundo são de facto muito diferentes entre si. Assim, todas as religiões possuem um sistema de crenças no sobrenatural e que envolvem, geralmente, deidades, deuses e demónios. As religiões costumam, embora com narrativas diferentes, possuir relatos sobre a origem do Universo, da Terra, do Homem e sobre o que acontece para além da a morte. A grande maioria das religiões crê na vida após a morte.
Muito mais se poderia dizer sobre religiões. É extremamente importante compreendê-las, aperceber-se das potencialidades e dos ensinamentos que poderão contribuir para a valorização sociológica, ética e moral (independentemente do senso comum que traduz).
Todavia, quero, neste momento, tentar fazer passar uma mensagem sobre um sentimento que tenho vindo a experimentar e que, oportunamente, tentarei explicar mais detalhadamente. Julgo não estar longe da realidade se pensar que os primeiros seguidores de Jesus (os primeiros cristãos) não consideravam terem-se convertido a uma nova religião – eles constituíram-se em Igreja –, isto é, criaram uma assembleia que os estimulava a progredir no bom caminho e onde partilhavam as suas vivências; não tinham hierarquia e o mais destacado dos seus membros era o que mais intensamente servia os outros. Essencialmente, as suas vidas consistiam em fazer aos outros aquilo que gostariam que lhes fizessem a si próprios – amavam-se, como expressão visível do amor a Deus –, não esquecendo os ensinamentos da "Lei antiga" (Antigo Testamento) redefina pelos ensinamentos de Jesus na "Nova Lei" (os Evangelhos).
Ora, se considerar que Religião é o culto prestado a uma divindade, sou levado a pensar que o Cristianismo não deverá ser considerado, simplesmente, como uma religião, mas sim como uma forma de viver. Confundir Religião com Forma de Viver permite dar razão a Marx quando dizia que a religião era o ópio do povo (o que até certo ponto posso concordar) e a Freud quando considerava que a religião era uma neurose colectiva (o que me permito discordar, neste caso).
Abordarei melhor este meu sentir, oportunamente.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A nova "linguagem" do Amor



Foram textos como o que a seguir apresento, que me fizeram repensar seriamente o cristianismo.

Andei muitos anos arredado das "lides" religiosas; afastei-me da Igreja (principalmente da institucional) porque discordava, na generalidade, da sua prática; embora acreditasse em Jesus, não me via a fazer parte integrante dos seus seguidores – cheiravam-me a bafio e sentia a falsidade e artificialidade das suas vidas; os ritos e rituais apresentados colidiam com a vida actual das pessoas; senti, sempre, que as instituições religiosas, o clero e o Vaticano tentavam mostrar uma história de dois mil anos e não a realidade de uma vida que se vive, que rejuvenesce e nos dá ânimo – era, tão somente, um filme. Senti sempre que para se ser Cristão ter-se-ia de ser revolucionário.

Eis a parte final do texto a que referi no princípio:

Veja-se o que se diz no Credo: “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Por ele todas as coisas foram feitas. E, por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus”. Pergunta-se: e entre o nascimento e a morte na cruz, o que se passou? Não aconteceu nada? Ele não fez nada?

Este é que pode ser e tem sido o grande esquecimento. Tudo começou em São Paulo, que não tinha conhecido o Jesus histórico e, assim, só contactou com o Jesus glorificado, o Senhor, o Kyrios. Foi este Jesus Kyrios (Senhor) que ocupou o centro no quadro de interesses imperiais, como é sabido desde Constantino, e que acabou por legitimar poderes, domínios, guerras, uma Igreja senhorial.

Pensou-se então que bastava prestar-lhe culto – missas, procissões, adorações ao Santíssimo... –, sem a exigência de segui-lo no seu Evangelho do Reino de Deus, no que ele quis e fez com os pecadores, as mulheres, os estrangeiros, na relação com o dinheiro, com a política, os pobres, Deus e a religião. O cristão não precisaria de converter-se.

Há um texto terrível do filósofo agnóstico Max Horkheimer, um dos fundadores da Escola Crítica de Frankfurt: “Jesus morreu pelos homens, não podia guardar-se para si próprio avaramente e pertencia a tudo o que sofre. Os Padres da Igreja fizeram disso uma religião, isto é, fizeram uma religião, que também para o mal (moral) era uma consolação. Desde então isso teve um êxito tal no mundo que pensar em Jesus nada tem a ver com a acção e ainda menos com os que sofrem. Quem lê o Evangelho e não vê que Jesus morreu contra os seus actuais representantes, não sabe ler.” (P. Anselmo Borges)

Não pretendo iniciar a revolução já iniciada por Cristo. Não! Quero simplesmente ser veículo (embora cheio de defeitos) da mensagem de Jesus: Amai-vos uns aos outros. O amor, esse sim, é revolucionário.