terça-feira, 18 de junho de 2013

A RELEVÂNCIA DA MULHER NO CRISTIANISMO (2)


A essência da linguagem machista constitui-se em fazer com que as mulheres não sejam visíveis, de forma que possam ou não ser incluídas em expressões do mundo masculino. Para dificultar ainda mais as coisas, soma-se a isso uma compreensão dos textos machistas, e portanto redutora, na história da interpretação do cristianismo. (Gerd Theissen e Annette Mertz)

As mulheres foram um marco no cristianismo primitivo, tornaram-se lideranças reconhecidas e respeitadas nas comunidades. Numa época em que a mulher não tinha espaço, e não era valorizada, elas actuavam em paridade com os homens.
Este reconhecimento foi feito por Jesus Cristo.

É reconhecido que um estudo sobre a mulher na sociedade antiga não é fácil de se fazer. Até porque as fontes históricas que temos sobre esse tema, na maior parte contêm um perspectiva machista ou, no mínimo, patriarcal.
Dessa forma, é por meio do olhar masculino que o feminino se tornou conhecido. Segundo Theissen, “a essência da linguagem machista constitui-se em fazer com que as mulheres não sejam visíveis, de forma que possam ou não ser incluídas em expressões do mundo masculino. Para dificultar ainda mais as coisas, soma-se a isso uma compreensão dos textos machistas, e portanto redutora, na história da interpretação[1]”.
Em Roma as mulheres nobres podiam andar livremente em público, receber formação educativa e associar-se a alguma associação de mulheres ou de famílias. No entanto, nessas associações, as mulheres aparecem ao lado dos homens.
As mulheres ricas eram requisitadas para fundar clubes masculinos. Nos cultos familiares privados, elas aparecem como “sacerdotisas” ou “líderes”[2].
Em Roma as mulheres alcançaram, num determinado período do império, uma liberdade e autonomia que indignaram posteriores historiadores que viviam num mundo no qual a mulher se havia, novamente, submetido ao poder masculino[3].
Para percebermos essa autonomia da mulher no mundo greco-romano, no mundo judaico-palestiniano e no mundo cristão, teremos de nos concentrar em três espaços importantes: a casa, a família e a religião.
No mundo greco-romano as mulheres não eram consideradas cidadãs. Eram “mães, esposas ou filhas de cidadãos”[4].
A influência da mulher circunscrevia-se ao interior da casa. Porém havia uma diferença entre as mulheres gregas e as romanas. Enquanto as mulheres gregas ficavam encerradas nas suas residências, as romanas podiam acompanhar os maridos a festas e banquetes[5].
Todavia, a casa era o lugar de permanência das mulheres. Os limites dos seus movimentos chegavam até às portas da casa.
Eram responsáveis pela educação dos filhos e pelo bem-estar do marido. Distribuíam os trabalhos pelos escravos, cuidavam da alimentação e do vestuário. Dentro da casa existiam espaços separados para homens e mulheres. À semelhança das mulheres judias, as que pertenciam às classes mais baixas tinham mais liberdade em público; visto terem de trabalhar fora de casa para ajudar o marido[6].
O oikos é o seu domínio. As coisas funcionam em redor da dona da casa e das mulheres que estão à sua volta – filhas, parentes e servas. As práticas e rituais religiosos são presididos pela mulher – orações e libações –, enquanto o homem oferecia os sacrifícios. A dona de casa exerce, no interior da sua casa, a autoridade religiosa sobre as outras mulheres[7].
No casamento, a mulher cumpre a função de mãe, mas o título de mater familiæ, só é adquirido quando dá filhos legítimos ao seu marido. Este título é de grande dignidade para a esposa. Mesmo se o título não for obtido, o direito romano reconhece a sua autonomia e o seu papel de “cidadã”. Já o pai, obtém o título de pater familiæ directamente, por herança do seu pai ou progenitor[8].
No mundo judaico-palestiniano, a mulher dentro de casa significava viver excluída da vida pública. Na casa paterna o lugar das filhas vem sempre depois dos filhos; a formação era limitada: aprendiam trabalhos domésticos, costura, fiação, cuidar dos irmãos mais novos, etc. Tinham a obrigação, para com o pai, de alimentá-lo, dar-lhe de beber, vesti-lo, cobri-lo, ajudá-lo a entrar e sair de casa; na velhice, lavar-lhe o rosto, as mãos e os pés. Não tinham os mesmos direitos que os irmãos. A família judaica era de tradição patriarcal. Tudo é centralizado na figura paterna que goza de total autoridade sobre todos da casa. “O marido é o senhor (ba’al) da mulher.”[9]
As filhas dependiam totalmente do pai, até chegarem à idade de se casar. Até aos doze anos a autoridade do pai é soberana. O pai escolhe o futuro cônjuge e a filha não pode recusá-lo; este tem, ainda, autoridade de vendê-la como escrava. Depois dos doze anos ela torna-se autónoma; pode casar-se sem o consentimento do pai; porém, o dote que o noivo pagava pertencia ao pai. Com o casamento, o pai transferia a autoridade dele para o cônjuge[10].
As mulheres estavam proibidas de servir à mesa quando tinham convidados, com medo de que pudessem exercer influência ao escutarem alguma conversa “reservada”. Esse era um dos motivos para que elas vivessem encerradas no interior da casa, principalmente as solteiras[11].
Os deveres de esposa consistiam em atender às necessidades do lar; cozinhar, lavar, moer, amamentar os filhos, fiar, tecer, arrumar a cama do marido, preparar o banho. Ela era obrigada a obedecer ao marido como seu senhor; essa obediência estava revestida de poder religioso. A falta de filhos era vista como desonra ou castigo divino. Já o facto de ter filhos, principalmente se fossem homens, dava importância à mulher. Sendo mãe, era valorizada[12].
Não participavam da vida pública; eram mães, esposas, donas de casa. Não podiam pronunciar-se publicamente. No templo, havia um lugar reservado para elas. Eram separadas por regras de impureza. Dependendo do lugar em que habitavam podiam ter outras possibilidades.
As regras de decoro proibiam a mulher de se encontrar sozinha com um homem. Não podia cumprimentar nem ser cumprimentada. Um homem não podia olhar para uma mulher casada. Aquela que conversasse com uma pessoa na rua ou fosse vista fora de sua casa podia ser repudiada. As filhas, antes do casamento, deveriam preferivelmente manter-se dentro de casa[13].
Algumas mulheres judias tinham posses financeiras. Podiam construir sinagogas, comprar e libertar escravos e, ainda, exercer a liderança na sinagoga. As mulheres asiáticas que se convertiam ao cristianismo “devem ter esperado ter a mesma influência na comunidade cristã”; principalmente as mulheres ricas. Contudo, também havia mulheres escravas que, dado o seu nível cultural, exerciam funções de “ministros”.
No judaísmo do tempo de Jesus, a mulher cuja família era fiel à lei, não participava da vida pública. Ao sair de casa ela trazia a cabeça coberta por um manto para que os traços do seu rosto não fossem reconhecidos. Portanto, em público elas passavam despercebidas.
Essas regras eram cumpridas mais no contexto urbano e nas classes abastadas. Nos meios mais populares, a mulher precisava de ajudar o marido na sua profissão, inclusive no comércio. Nas zonas rurais, as relações eram mais livres: a mulher ia à fonte, dedicava-se ao trabalho agrícola, comercializava azeitona e outros produtos do campo, servia à mesa. Nada indica que no campo ela mantivesse o hábito de cobrir a cabeça, como na cidade[14].




[1] THEISSEN, Gerd & MERZ, Annette. O Jesus histórico – um manual. São Paulo: Loyola, 2002. p. 243
[2] BRANICK, Vincent. A igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994. p. 50-51.
[3] CUNHA, Elenira Aparecida. Por causa do reino dos céus. Tese de Doutoramento. São Paulo: UMESP, 2003. p. 95.
[4] ZAIDMANN, Louise Bruit. As Filhas de Pandora: mulheres e rituais nas cidades. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil, 1993. p. 411 - 412.
[5] POMEROY, Sarah B. Diosas, rameras, esposas y esclavas: mujeres em la antigüedad clásica. Madrid: Akal, 1987. p. 192.
[6] STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 416. GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 248.
[7] ZAIDMANN, Louise Bruit. As Filhas de Pandora: mulheres e rituais nas cidades. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil, 1993. p. 452.
[8] THOMAS, Yan. A divisão dos sexos no direito romano. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil, 1993. p. 147.
[9] MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984. p. 55.
[10] JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 480.
[11] TEPEDINO, Ana Maria. As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 79.
[12] JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 485-489.
[13] JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 476-77.
[14] JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 473-77. GASS, Ildo Bohn. Período grego e vida de Jesus. São Paulo: Cebi/Paulus, 2005. p. 178. STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 412-418.

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